“Onde mais poderíamos conceber reunião igual, senão em terra mineira, que é o paradoxo mesmo, tão mística que transforma em alfaias e púlpitos e genuflexórios a febre grosseira do diamante, do ouro e das pedras de cor? No seio de uma gente que está ilhada entre cones de hematita, e contudo mantém com o universo uma larga e filosófica intercomunicação, preocupando-se, como nenhuma outra, com as dores do mundo, no desejo de interpretá-las e leni-las? Um povo que é pastoril e sábio amante das virtudes simples, da misericórdia, da liberdade – um povo sempre contra os tiranos, e levando o sentimento do bom e do justo a uma espécie de loucura organizada, explosiva e contagiosa, como revelam suas revoluções liberais. São mineiros, esses profetas; mineiros na patética e concentrada postura que os armou o mineiro Aleijadinho; mineiros na visão ampla da terra, seus males, guerras, crimes, tristezas e anelos; mineiros no julgar friamente e no curar com bálsamos; no pessimismo; na iluminação íntima; sim, mineiros de cento e cinquenta anos atrás e de agora, taciturnos, crepusculares, messiânicos e melancólicos.”
Carlos Drummond de Andrade
Livro: A chave do Enigma (Ed. Record, 2001) | Autor: Fernando Sabino | Páginas: 162 a 163 – Crônica: “Chá de Congonhas”